Despacho Normativo
n.º 63/91 de 18 de
Fevereiro
A cultura portuguesa, marcada por um universalismo procurado e
consciente e pelos múltiplos encontros civilizacionais que, ao longo dos
séculos, têm permitido o acolhimento do diverso, a compreensão do outro
diferente, o universal abraço do particular, é uma cultura aberta e
mestiçada, enriquecida pela deambulação de um povo empenhado na procura
além-fronteiras da sua dimensão integral.
Portugal orgulha-se, hoje, de ser o produto errático de uma alquimia
misteriosa de fusão humana que encontrou no mar, mistério a descobrir e
a aproximar, o seu solvente ideal e o seu caminho de aventura.
Cumprida uma fascinante peregrinação de séculos, Portugal retorna ao
seio do continente europeu e integra-se no seu espaço cultural de origem,
contribuindo, com a mundividência que o caracteriza, para a efectiva
construção de uma Europa aberta, solidária e ecuménica.
A realização europeia do mercado interno, que afectará, naturalmente, as
políticas educativas dos Estados membros, vai marcar as linhas futuras
dessas políticas e exigir o respeito de cada Estado pela diversidade
humana, linguística e cultural patente no espaço comunitário, fundamento
último da sua riqueza.
A Europa do futuro será, deste modo mais autenticamente, uma Europa
pluricultural, da mobilidade, da competência e da educação e formação
para todos. Uma Europa aberta ao mundo e empenhada em novas formas de
solidariedade e participação.
Assim, vencer o desafio que no campo da educação se coloca é procurar
dar respostas às necessidades educativas fundamentais através de um
empenhamento renovado para que todos tenham acesso a uma educação de
base que promova a condição humana, multiplique as oportunidades de
realização pessoal e social, aumente o sucesso educativo, alargue os
campos da formação inicial e contínua, mobilize a sociedade civil para a
formação cívica e democrática e abra novas vias de cooperação e reforço
da sociedade internacional.
A Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelecendo o direito de todos os
portugueses à educação e à cultura, determina, como princípio da
educação, a abertura aos valores da convivência cultural e da tolerância,
bem como a formação de cidadãos plenos, capazes de agirem
construtivamente na sociedade em que se inserem.
A educação deve, pois, actuar sobre o comportamento individual e
contribuir decisivamente para a formação integral do ser humano,
tornando-o apto a viver a sua liberdade e autonomia, capacitando-o para
a dimensão plena da solidariedade e do respeito pela dignidade do outro,
consciencializando-o do valor da Língua, da História Pátria e dos traços
dominantes da identidade nacional.
Verificam-se, com preocupante intensidade, problemas de convivência
intercultural que se abatem sobre as sociedades modernas e, até, as
nações europeias. Mesmo na nossa sociedade, emergem manifestações de
intolerância e, em alguns casos, de violência física e psicológica
exercidas sobre minorias étnicas, fruto da exacerbação de doutrinas
redutoras e de grupos extremistas que têm de ser energicamente
contrariados.
Conscientes de que tais acções, ainda que esporádicas no nosso país,
necessitam não de um comportamento mera ou predominantemente punitivo,
mas sobretudo de uma actuação que vise incentivar a educação cívica e
contribuir para um clima de aceitação, solidariedade, tolerância e
respeito pelo direito à diferença que deve envolver toda a acção
educativa;
Assim, ao abrigo
da alínea g) do artigo 202.º da Constituição:
Determina-se:
1) É criado,
na dependência directa do Ministro da Educação, o Secretariado
Coordenador dos Programas de Educação Multicultural.
2) Ao Secretariado Coordenador dos Programas de Educação
Multicultural, adiante designado por Secretariado, compete coordenar,
incentivar e promover, no âmbito do sistema educativo, os programas e as
acções que visem a educação para os valores da convivência, da
tolerância, do diálogo e da solidariedade entre diferentes povos, etnias
e culturas.
3) O
Secretariado tem a seguinte composição:
a) Um presidente;
b) Um secretário executivo;
c) Um representante da Direcção-Geral dos Ensinos Básico e Secundário;
d) Um representante da Inspecção-Geral de Ensino;
e) Um representante do Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e
Profissional;
f) Um representante de cada uma das direcções regionais de educação;
g) Um representante da Comissão para a Promoção dos Direitos Humanos e
Igualdade na Educação (CPDHIE);
h) Até cinco personalidades de reconhecido mérito ou experiência na
matéria.
4) Os membros do Secretariado são nomeados pelo Ministro da
Educação, sob proposta, nos casos das alíneas c), d), e), f) e g) do
número anterior, dos organismos a que pertencem.
5) No âmbito da competência genericamente acima definida, o
Secretariado deverá planificar, lançar e acompanhar programas que, entre
outras acções a propor à aprovação do Ministro da Educação, contemplem:
a) A estreita articulação e comunicação entre os múltiplos projectos em
curso no Ministério da Educação com incidência na temática
multicultural, nomeadamente os projectos com crianças de etnias
timorenses, cabo-verdianas e ciganas e com crianças filhas de
portugueses residentes noutros países, em curso na Direcção-Geral dos
Ensinos Básico e Secundário;
b) O lançamento de uma campanha nas escolas respeitante à Convenção
sobre os Direitos da Criança;
c) A cooperação com as instituições de ensino superior tendo em vista a
elaboração de conteúdos sobre educação em contexto multicultural no
âmbito da formação inicial e contínua de professores;
d) A articulação com o Instituto de Inovação Educacional visando a
elaboração, no âmbito da área da formação pessoal e social, de conteúdos
de educação multicultural e convivência étnica;
e) A realização, com os responsáveis pelas confissões religiosas que
desenvolvem aulas de Educação Moral e Religiosa nas escolas, de estudos
com vista à inclusão de elementos de convivência cultural e étnica nos
respectivos programas;
f) A necessidade de ênfase, no âmbito do Programa Interministerial para
a Promoção do Sucesso Educativo - PIPSE e do programa «Educação para
Todos», na resposta às questões específicas patentes nas comunidades
escolares mais acentuadamente heterogéneas;
g) A promoção de uma campanha de diálogo intercultural e de valorização
da diversidade étnica nas escolas, em colaboração com as associações de
pais e de estudantes e as autarquias locais;
h) O fomento de acções comunitárias de «alfabetização cívica» em
ambiente de convivência multicultural, sobretudo na periferia urbana,
com o apoio da Direcção-Geral de Extensão Educativa;
i) O lançamento de concursos nas escolas subordinadas a temas relativos
aos direitos humanos e aos valores da solidariedade e do respeito pela
diferença;
j) O aprofundamento dos inquéritos promovidos e a promover pela CPDHIE
sobre diversidade étnica, linguística e cultural no sistema educativo
português;
k) A realização de um inquérito nacional aos valores da juventude
escolar portuguesa em matéria de tolerância e convivência multirrácica e
pluricultural;
l) A realização, através de serviços especializados, de estudos visando
a identificação e caracterização de zonas e escolas de risco, em matéria
de conflitualidade ou violência racial, e a consequente tomada de
medidas preventivas adequadas.
6) O presidente submeterá à aprovação do Ministro da Educação o
regulamento interno de funcionamento do Secretariado.
7) O Secretariado poderá constituir grupos de trabalho para projectos
ou acções específicas, propondo para tal a agregação de outros elementos,
serviços ou personalidades julgados necessários.
8) O apoio logístico, administrativo e financeiro ao Secretariado será
assegurado pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação.
Ministério da Educação, 18 de Fevereiro de 1991.
O Ministro da
Educação, Roberto Artur da Luz Carneiro. |
Arrêté normatif no 63 du 18 février 1991
La culture portugaise, marquée par un
universalisme recherché et conscient et par les multiples rencontres des civilisations
qui, au cours des
siècles, ont permis l'acceptation de la diversité, de la compréhension
différente de l'autre, de l'attachement universel aux individus,
constitue une
culture ouverte et mixte, enrichie par la marche d'un peuple engagé à
regarder au-delà des limites de sa taille réelle.
Le Portugal
s'enorgueillit aujourd'hui d'être le produit irrégulier d'une alchimie
mystérieuse de la fusion de l'Homme qui a trouvé dans la mer le mystère
à découvrir et à rapprocher son idéal sain et son chemin vers
l'aventure.
Ayant accompli un fascinant pèlerinage depuis des siècles, le Portugal
retourne au sein du continent européen et s'intègre dans son espace
culturel d'origine, en contribuant ainsi à la vision du monde qui
le caractérise en vue de la construction effective d'une Europe ouverte,
solidaire et unie.
La réalisation
européenne du marché intérieur, qui aura une incidence naturelle sur les politiques
d'enseignement des États membres, marquera l'orientation future de ces politiques et exigera le respect
de chaque État
pour la diversité humaine et les particularités linguistiques et
culturelles dans l'espace communautaire, fondement ultime de sa richesse.
L'Europe du futur sera donc plus authentiquement une Europe
multiculturelle, avec la mobilité, les compétences, l'éducation et la
formation pour tous. Une Europe ouverte sur le monde et
engagée dans de nouvelles formes de solidarité et de participation.
Ainsi, le défi de l'éducation qui se pose est de chercher des réponses à
des besoins éducatifs fondamentaux à travers un engagement renouvelé
afin de donner à chacun un accès à une formation fondamentale favorisant la
condition humaine; il faut multiplier les possibilités de réalisation personnelle et
sociale, augmenter la réussite scolaire, élargir les domaines de la
formation initiale et continue, mobiliser la société civile pour
la formation civique et démocratique, et ouvrir de nouvelles avenues de coopération et
de renforcement de la communauté internationale.
La Loi sur le système d'éducation primaire, en établissant le droit de tous à l'éducation et
à la
culture portugaises, détermine, en tant que principe en éducation,
l'ouverture aux valeurs culturelles de coexistence et de tolérance,
ainsi que la formation des citoyens à part entière capables d'agir
de façon constructive dans la société dans laquelle ils s'insèrent.
L'éducation doit donc agir sur le comportement individuel et
contribuer de manière décisive à la formation intégrale de l'être humain, ce qui
rend apte à maintenir sa liberté et son autonomie en permettant une pleine dimension de
la solidarité et du respect de la dignité de l'autre, en reconnaissant la valeur de
sa langue, l'histoire de sa patrie et les traits
dominants de son identité nationale.
Il existe, avec une intensité préoccupante, des problèmes de coexistence
interculturelle qui assaillent nos sociétés modernes et même les nations européennes. Même dans notre société,
il émerge des manifestations d'intolérance et, dans certains cas, de violence physique et
psychologique exercée à l'encontre des minorités ethniques, fruit de l'exacerbation de doctrines
réductrices et de groupes extrémistes, qui
doivent être vigoureusement combattus.
Consciente du fait que de telles actions, bien que sporadiques dans notre
pays, ne nécessitent pas de comportement simplement ou principalement
punitif, mais davantage une action destinée à encourager l'éducation
civique et contribuer à un climat d'acceptation, de solidarité, de
tolérance et de respect pour le droit à la différence, lequel doit impliquer
toutes les activités en éducation;
Ainsi, en vertu de
l'alinéa g) de l'article 202 de la Constitution:
Il est statué
:
1) Il est
créé, relevant directement du ministre de l'Éducation, le Secrétariat
coordonateur des programmes de l'éducation multiculturelle.
2) Le Secrétariat coordonnateur des programmes d'éducation
multiculturelle, ci-après dénommé «le Secrétariat», est chargée de
coordonner, d'encourager et de promouvoir au sein du système
d'enseignement les programmes et pratiques visant l'éducation aux
valeurs de coexistence, de tolérance, de dialogue et de solidarité entre
les différents peuples, les cultures et les ethnies.
3) Le Secrétariat est composé de la façon suivante:
a) Un président;
b) Un secrétaire exécutif;
c) Un représentant de la Direction générale de l'enseignement
fondamental et secondaire;
d) Un représentant de l'Inspection générale de l'éducation;
e) Un représentant du Bureau de l'enseignement technologique, artistique
et professionnel;
f) Un représentant de chacune des directions régionales de l'éducation;
g) Un représentant de la Commission pour la promotion des droits de
l'Homme et de l'égalité en éducation (CPDHEE);
h) Un maximum de cinq personnes d'un mérite reconnu et d'une expérience
pertinente.
4) Les membres du Secrétariat sont nommés par le ministre de
l'Éducation, au moyen d'une proposition dans le cas des alinéas c), d),
e)f) et g) ci-dessus provenant des organismes auxquels ils
appartiennent.
5) Dans le cadre des compétences généralement définies ci-dessus, le Secrétariat doit
planifier, promouvoir et soutenir des programmes qui, entre autres actions, seront proposés
au ministre de l'Éducation, dont :
a) La coordination étroite et la communication entre les nombreux
projets en cours au ministère de l'Éducation avec un accent sur des
thèmes multiculturels, y compris les projets avec des enfants des
ethnies timoraises, capverdiennes et tsiganes ainsi que les enfants des résidents portugais
dans d'autres pays, en prenant place dans la Direction générale de
l'enseignement primaire et secondaire;
b) Le lancement d'une campagne dans les écoles sur la Convention
relative aux droits de l'enfant;
c) La coopération avec les institutions de l'enseignement supérieur en
vue de la préparation de documents pédagogiques dans un contexte
multiculturel au sein d'une formation initiale et continue chez les enseignants;
d) L'articulation avec l'Institut pour l'innovation scolaire afin de
développer dans le contexte du secteur de la formation personnelle et sociale
un contenu en éducation multiculturelle et en coexistence ethnique;
e) La réalisation, avec les responsables des confessions religieuses qui
s'occupent de l'éducation religieuse et morale dans les écoles, d'études
en vue de l'introduction d'éléments de la diversité culturelle et ethnique dans
leurs programmes;
f) La nécessité de mettre l'accent, au sein du
Programme
interministériel pour la promotion de la réussite scolaire - PIPSE et «Éducation
pour tous», en réponse à des questions spécifiques reflétant les
communautés scolaires nettement plus hétérogènes;
g) La promotion d'une campagne pour le dialogue interculturel et
l'appréciation de la diversité ethnique dans les écoles, en
collaboration avec les associations de parents et d'élèves et les
autorités locales;
h) La promotion des actions communautaires de «l'éducation civique» dans
un environnement multiculturel, en particulier dans la périphérie
urbaine, avec le soutien de la Direction générale du développement
scolaire;
i) L'introduction de concours dans les écoles sur des thèmes relatifs
aux droits de l'homme et aux valeurs de solidarité et de respect de la
différence;
j) L'approfondissement des enquêtes encouragées et soutenues par la
commission (CPDHIE) sur
la diversité ethnique, linguistique et culturelle dans le système
scolaire portugais;
k) La réalisation
d'une enquête nationale sur les valeurs de la jeunesse des écoles
portugaises en matière de tolérance et de coexistence multiraciale et
multiculturelle;
l) La réalisation, grâce à des services spécialisés, d'études pour l'identification
et la caractérisation des zones et écoles à risque, en termes de
conflit ou de violence raciale, et en conséquence prendre les mesures
préventives appropriées.
6) Le président soumet au ministre de l'Éducation les règlements internes
de fonctionnement du Secrétariat.
7) Le Secrétariat peut constituer des groupes de travail pour des projets
ou des objectifs spécifiques, en proposant l'ajout d'autres éléments,
des services ou des personnalités jugées nécessaires.
8) Le soutien logistique, administratif et financier doit être
assuré par le Bureau général du ministère de l'Éducation.
Ministère de l'Éducation, le 18 février 1991
Le ministre de l'Éducation, Roberto Artur da Luz Carneiro. |